INTRODUÇÃO
Na arte da capoeira, assim como nas demais artes marciais, existe a transmissão do conhecimento e costumes através da comunicação verbal. Desta forma surge então a possibilidade de falhas na comunicação, tanto do interlocutor como do receptor, além de falhas na mensagem.
Atualmente há poucos e raros registros sobre toques da capoeira angola e regional, inclusive causando algumas controvérsias em alguns toques e seus respectivos estilos de jogo.
Como parte da evolução da capoeira e do esporte em geral, esta página auxiliará na compreensão das músicas, dos toques e seus respectivos estilos de jogo utilizados no Grupo de Capoeira Símbolo da Paz. Em outras palavras, a intenção não é polemizar ou afirmar a verdade sobre os tópicos abordados, mas sim trazer o ponto de vista desse grupo de capoeira fundado em 30 de Abril de 1994, pelos Mestres Jô e Marcos.
MUSICAS
A musicalidade na capoeira é composta por instrumentos como berimbau, pandeiro, atabaque, agogô e reco-reco, por cantos com coro e por palmas. Essa característica é um dos pontos exclusivos e típicos desse esporte, diferenciando-a das demais lutas.
Para entender a origem da musicalidade na capoeira, é preciso lembrar que o surgimento dessa arte ocorreu no período da escravidão, nas fazendas dos senhores de engenho, pelos escravos da época, ou seja, os negros, basicamente africanos, os índios nativos e demais escravos, independente de raça ou cor, que trabalhavam nos engenhos. Portanto escravos precisavam adaptar a luta em dança, de modo a disfarçá-la para não ser reconhecida pelos capitães do mato e pelos senhores de engenho. Assim, tanto as músicas cantadas e palmas, como os movimentos acrobáticos, expressões corporais e coreografias, foram introduzidas na capoeira com a intenção inicial de disfarce.
Avançando um pouco no tempo até a época de mestre Pastinha e mestre Bimba, os cantos continuavam como um costume da capoeira, porém agora com outro objetivo agregado nas letras das músicas. Surgiram então mensagens transmitidas pelos cantos, como histórias de grandes capoeiristas, do cotidiano da região, de acontecimentos marcantes e sobre o que está acontecendo dentro da roda. Na capoeira angola, até os dias atuais, é comum versos e refrãos sobre uma disputa, um tombo, a maldade de um capoeirista ou até mesmo uma ordem do mestre para os jogadores. Mestre Bimba também utilizava as músicas para avisar os alunos sobre algum intruso, visitante ou até mesmo sobre a chegada da polícia. Além das músicas, surgem também alguns toques específicos de aviso, como cavalaria por exemplo.
Hoje em dia as músicas ganharam uma característica mais alegre e descontraída, com músicas vindas do samba, pagode e MPB, por exemplo, ou com ritmos parecidos. Claro que ainda há músicas que retratam eventos importantes, histórias de grandes capoeiristas e mensagens para as pessoas que estão jogando.
Dentre os estilos de cantos, existem alguns tipos:
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Louvação
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Ladainha
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Cantiga
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Quadra
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Corrido
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Samba de Roda
Abaixo segue a descrição de cada um dos tópicos mencionados:
Louvação
O conceito de louvor para (MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 310) é “Aplauso, elogio, aprovação”.
Segundo o (DICIONÁRIO online da Língua Portuguesa, São Paulo, disponível em: <http://www.dicio.com.br>, acesso em: 30 jan. 2013.) louvação é “Ação ou efeito de louvar, louvor”.
Também pode ser encontrada como salva, a louvação, característica da capoeira angola, possui versos em adoração, elogio ou aclamação a Deus, grandes mestres, a própria capoeira ou até uma pessoa próxima. Geralmente começa com a palavra Iê e há o coro na sequência, repetindo o verso cantado e incluindo a palavra camará no final do verso. Seguem abaixo alguns exemplos de louvação na capoeira:
Iê viva ao meu Deus
Iê viva ao meu Deus, camará
Iê viva ao meu mestre
Iê viva ao meu mestre, camará
Iê quem me ensinou
Iê quem me ensinou, camará
Iê a capoeira
Iê a capoeira, camará
Iê ao mestre Bimba
Iê ao mestre Bimba, camará
Iê ao mestre Pastinha
Iê ao mestre Pastinha, camará
Iê dá volta ao mundo
Iê dá volta ao mundo, camará
Iê que o mundo deu
Iê que o mundo deu, camará
Iê que o mundo dá
Iê que o mundo dá, camará
Ladainha
O conceito de ladainha para (MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 297) é “1 Série de curtas invocações em honra a Deus, da Virgem ou dos santos. 2 Discurso ou conversa longa e fastidiosa; lengalenga”.
Segundo o (DICIONÁRIO online da Língua Portuguesa, São Paulo, disponível em: <http://www.dicio.com.br>, acesso em: 30 jan. 2013.) ladainha é “Cantos, ou preces, em série, com que na igreja se honra a Deus, à Virgem e aos santos; litania. Forma de oração dialogada, na qual os fiéis se ocupam das respostas. O sacerdote recita uma frase e os fiéis recitam a seguinte, e assim por diante”.
A ladainha é cantada geralmente na angola, com um ritmo lento e cadenciado, seu conteúdo é uma oração longa, uma história triste, fatos históricos, a história de um grande capoeirista, a história de quem está cantando, suas origens, seus mestres ou até mesmo para transmitir uma mensagem aos capoeiristas presentes.
Um costume da capoeira angola é de não haver jogo entre os capoeiristas enquanto é cantada uma ladainha, tanto como respeito ao cantor como para todos prestarem atenção na mensagem que será transmitida durante os versos da canção. Geralmente a ladainha vem seguida de uma louvação ou versos sem adoração seguidos de coro.
Em alguns grupos a ladainha é cantada no início de uma roda e após o término da louvação e o início de um corrido (será visto posteriormente) os capoeiristas são autorizados a iniciarem o jogo. Já em outros grupos, para toda e qualquer dupla que for entrar na roda, necessariamente deverá ser cantada uma ladainha. É possível também encontrar grupos de capoeira regional que cantam ladainhas durante um jogo de regional, porém dificilmente o jogo será interrompido para apreciar a mensagem da ladainha.
Seguem exemplos de ladainhas:
Ex.1
Iê!
Ai vem a cavalaria
Ai vem a cavalaria
Da Princesa Teodora
Cada cavalo uma sela
Cada sela uma senhora
Camarada vamos embora
Pra sai dessa jogada
A festa tá muito boa, ora meu Deus
Mas vai ter muita pancada,
Iê viva ao meu Deus
Iê viva ao meu Deus, camará
Iê vamos jogar
Iê vamos jogar, camará
Ex. 2
O mundo de Deus é grande
Deus tá numa mão fechada
O pouco com Deus é muito
O muito sem Deus é nada
Noite de escuro não serve
Prá caçar de madrugada
Caçador dá muitos tiros
De manhã não acha nada
Veado corre é pulando
Cotia corre na trilha
Se eu fosse governador
E manobrasse a Bahia
Isso que tu tá fazendo
Comigo tu não fazia
Iê é hora é hora
Iê é hora é hora, camará
Iê vamos embora
Iê vamos embora, camará
Cantiga
O conceito de cantiga para (MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 297) é “Poesia cantada e dividida em estrofes iguais”.
Segundo o (DICIONÁRIO online da Língua Portuguesa, São Paulo, disponível em: <http://www.dicio.com.br>, acesso em: 30 jan. 2013.) cantiga é “Denominação de certos poemas curtos, de tema leve e de grande aceitação popular. Seu fundo e sua forma variam de acordo com as diferentes épocas. Na Idade Média, a cantiga apresentou diversos gêneros: cantiga de amigo, de amor, de escárnio, de maldizer, e de romana”.
Também muito conhecida no mundo da capoeira como chula, a cantiga é uma composição curta, relata algum fato, história do passado ou elemento cultural e possui um refrão de um ou dois versos seguidos do coro, geralmente no final da cantiga.
É mais comum na capoeira regional e se difere da ladainha porque pode haver um jogo durante a cantiga.
Seguem alguns exemplos:
Ex. 1
Luanda é pandeiro
Luanda é para
Tereza canta sentada
Dalila samba de pé
E lá no cais da Bahia
Mandaram me perguntar
Na roda de capoeira
Não tem lêlê não tem nada
Não tem lêlê nem lalá
O la ê la ê lá
O lêlê
Ex. 2
Foi meu avô que me disse
Que foi na Bahia e que viu na Ribeira
Um moleque de uma perna só
Que dava macaco, au e rasteira
Ele dava o rabo de arraia
Martelo pulado
Tombo da ladeira
Foi aí que eu acreditei
Que ele viu o saci jogar capoeira.
Pererê, pererê, pererê
Moleque saci não era brincadeira
Pererê, pererê ,pererê
Quadra
O conceito de quadra, no ramo musical, para (MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 423) é “5 Estrofe de quatro versos, quarteto”.
Segundo o (DICIONÁRIO online da Língua Portuguesa, São Paulo, disponível em: <http://www.dicio.com.br>, acesso em: 31 jan. 2013.) quadra é “Estrofe de quatro versos”.
A quadra é muito utilizada na capoeira angola e regional. É composta de estrofes com quatro versos e seguidas do coro. Os temas abordados são bastante variados e pode ser utilizada para pratica de improvisos.
Seguem alguns exemplos abaixo:
Ex. 1
Você que è forte
E só pensa em pegar peso
Quero ver entrar na roda
E mostrar que è mandingueiro
Você que è forte
E só pensa em pegar peso
Quero ver entrar na roda
E mostrar que è mandingueiro
Seu jogo não tem mandinga
Seu jogo não tem molejo
Quando è jogo bonito
Tu não faz nenhum floreio
Você que è forte
E só pensa em pegar peso
Quero ver entrar na roda
E mostrar que è mandingueiro
Mas quando o jogo aperta
Tu fica sem reação
Parte logo pra agarrar
Pra joga o outro no chão
Você que è forte
E só pensa em pegar peso
Quero ver entrar na roda
E mostrar que è mandingueiro
Ex. 2
Vou esperar a lua voltar
Eu quero entrar na mata e
Eu vou tirar madeira boa
Para o meu berimbau fazer
Vou esperar a lua voltar
Eu quero entrar na mata e
Eu vou tirar madeira boa
Para o meu berimbau fazer
Madeira boa é como amizade
É difícil encontrar
Amizade eu guardo no peito
E da madeira eu vou fazer meu berimbau
Vou esperar a lua voltar
Eu quero entrar na mata e
Eu vou tirar madeira boa
Para o meu berimbau fazer
Se mestre Bimba estivesse aqui
Pra me ensinar a colher madeira
Eu entrava agora na mata
Tirava Ipê e Pau Pereira
Vou esperar a lua voltar
Eu quero entrar na mata e
Eu vou tirar madeira boa
Para o meu berimbau fazer
Corrido
Embora sem definição no dicionário, é possível deduzir pelo termo corrido que este estilo é mais dinâmico, com versos mais curtos. Este estilo independente da velocidade do berimbau. Há registros que afirmam ser um toque para acelerar o jogo, porém o corrido também é cantado na capoeira angola durante o jogo, com toques cadenciados do berimbau e não necessariamente o jogo deve acelerar.
O corrido é composto por versos simples seguidos do coro que pode variar entre um verso fixo ou a repetição do verso anteriormente cantado. Geralmente é o estilo escolhido para um desafio entre dois capoeiristas que estão na bateria (berimbau, pandeiro, atabaque, agogô ou reco-reco) com improvisos de versos e rimas dentro do ritmo do berimbau.
Seguem abaixo alguns exemplos:
Ex. 1
Eu não sou daqui
Capoeira
Eu não sou daqui
Capoeira
Eu sou de São Salvador
Eu sou de São Salvador
Eu sou discípulo do mestre
Eu sou discípulo do mestre
Foi ele quem me ensinou
Foi ele quem me ensinou
Eu vou entrar nessa roda
Eu vou entrar nessa roda
Para mostrar meu valor
Para mostrar meu valor
Vamos tocar agogô
Vamos tocar agogô
Bahia a São Salvador
Bahia a São Salvador
Ex. 2
Eu não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Marinheiro só
Eu vim da Bahia
Marinheiro só
De São Salvador
Marinheiro só
Lá vem, lá vem
Marinheiro só
Lá vem ele vindo
Marinheiro só
Todo de branco
Marinheiro só
Com seu bonezinho
Marinheiro só
Samba de Roda
O conceito de samba para (MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 465) é “Dança e música popular brasileira, de origem africana”.
Segundo o (DICIONÁRIO online da Língua Portuguesa, São Paulo, disponível em: <http://www.dicio.com.br>, acesso em: 4 fev. 2013.) samba é “Dança popular brasileira a dois tempos, de ritmo sincopado. É de origem africana e desde o séc. XVII já era uma dança de roda, ao ar livre (...)”.
Tem suas origens no Brasil em meados do século XIX nas senzalas e era praticado pelos escravos como manifestação artística e cultural. O Samba de Roda foi incorporado à capoeira angola e mantido até os dias atuais como tradição e costume.
Em 1916, veio o primeiro samba gravado em disco, pelo cantor e compositor Donga, e, ao longo do tempo, vieram outros cantores e autores de sambas: Ataulfo Alves, Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola e Nelson Cavaquinho, entre tantos outros.
A manifestação cultural, na sua forma contemporânea, está presente em obras de compositores baianos como Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso.
Os sambas cantados e interpretados por esses grandes músicos citados acima são cantados em rodas formadas por capoeiristas, geralmente ao terminar a roda de capoeira.
Seguem alguns exemplos de algumas canções de samba:
Ex. 1
Eu vim aqui foi pra vadiar
Eu vim aqui foi pra vadiar
Ô vadeia, vadeia, vou vadiar
Eu vi a Pomba na areia
Ô vadeia, vadeia, estou vadiando
Eu vi a Pomba na areia
Ex. 2
A baiana me pega
Me leva pro samba
Eu sou do samba
Eu vim sambar
Lê, lê, lê baiana
Minha baiana que deu o sinal
Lê, lê, lê baiana
Pra dançar o carnaval
Lê, lê, lê baiana
Também jogar a capoeira
Lê, lê, lê baiana
Angola e regional
Lê, lê, lê baiana
Ex. 3
Morena me pega
Você não me pega
E nem eu te pego
Você só me pega
Quando eu te pegar
Olê, lê, lê, lê
Olê, lá, lá, lá
Olê, lê, lê, lê
Olê, lá, lá, lá
Ex. 4
Pisa na linha levanta o boi
Levanta meu boi do chão
Pisa na linha levanta o boi
O levanta, levanta
Pisa na linha levanta o boi
O amanha é dia santo
Pisa na linha levanta o boi
Quem tem roupa vai à missa
Pisa na linha levanta o boi
Quem não tem faz como eu
Pisa na linha levanta o boi
Minha mãe ta me chamando
Pisa na linha levanta o boi
Quem toca pandeiro é homem
Pisa na linha levanta o boi
Quem bate palma é mulher
Pisa na linha levanta o boi
Quando a mulher não presta
Pisa na linha levanta o boi
E quando homem não caminha
Pisa na linha levanta o boi